(Vocês notaram que eu mudei um pouco o layout do blog, certo? Bom, eu tomei essa iniciativa porque eu achava o antigo formato muito pesado. Era muita informação na tela, parecia que ficava tudo bagunçado e tava me deixando neuvoser. Ainda não sei se essa mudança será definitiva, ou se eu ainda vou ajustar alguma coisa, mas no geral, ficará assim mesmo. Ainda estou cogitando possibilidades de mudar o template, mas nada muito diferente desse que já temos. Enfim, se você gostou ou não, deixe-me saber disso!)
O dia amanheceu bonito hoje. Ensolarado, com uma leve brisa. As pessoas ao meu lado estão calmas e aparentemente felizes. Isso de certa forma me dá ânimo e coragem para relatar a vocês a história que transformou a minha vida. Aconteceu há mais ou menos, dois anos atrás. Bem, antes eu peço ao caro leitor que permita-me uma apresentação. Meu nome é João Umério Carneiro Antunes, mas meus amigos me chamam de Juca, devido às iniciais. Eu trabalhava como fotógrafo em um jornal aqui no Rio, comecei na parte criminal, fotografando presunto, ou melhor, defunto, ou cadáver, enfim, fotografava gente morta. Na verdade isso não me agradava nem um pouco, mas precisava pagar as contas. Foi assim durante um bom tempo. Até que um dia, consegui pular para a parte social. Foi a glória. Festas, eventos importantes, estava onde sempre quis. Porém, essa minha boa vida não durou muito tempo. Fui avisado que o fotógrafo que entrara no meu lugar não havia segurado o tranco e acabara pedindo demissão. Protestei, falei que não queria voltar, mas eles dobraram meu salário e assumiram a prestação do meu carro, alegaram que precisavam de mim, porque eu era o melhor naquela área. ~treta~ nenhuma, eles é que não arrumaram ninguém para tirar foto de gente morta. Porém, a oferta era muito boa. Sendo assim, assumi a minha nova (antiga) função.
Bom, agora que vocês já me conhecem, eu posso começar a história. Era um dia parecido com o de hoje, estava fazendo um lanche no bar que fica logo em baixo da redação, ia tirar umas fotos num apartamento na Barra, onde um velhinho matou toda a família, até o cachorro. Disse depois em seu depoimento que a chacina foi devido à falta de atenção da família para com ele, mas isso é uma outra história. Então, voltando ao nosso assunto, eu estava fazendo um lanche, quando o Lúcio, um amigo das antigas que tinha ido morar fora do país, entrou no bar. Éramos como irmãos, embora nossos gostos fossem totalmente diferentes: Se eu gostava de samba, ele gostava de heavy metal, se eu gostava de cinema europeu, ele adorava a pipoca estadunidense, mas nos dávamos muito bem, apesar da diferença. – Aí, seu mané. – Gritei dentro do bar chamando sua atenção. – Juca! ~treta~ mermão como você tá?. Logo de início, notei que tinha algo estranho, a começar pela sua aparência. Lúcio sempre foi aquele tipo modelo, sabe qual é? Alto, forte, bronzeado, adorava uma praia… mas a figura que estava em minha frente apresentava uma coloração extremamente pálida, sem falar nas olheiras, e o corpo; ele devia estar pelo menos uns cinco quilos mais magro. Ignorei a sua forma física, afinal de contas, ele podia estar passando algum momento complicado em sua vida. Começamos a trocar idéias, ele falou o quanto foi difícil o começo de sua vida no exterior. Ele havia partido com o sonho de ser músico, mas encontrou uma realidade diferente, no fundo eu sempre soube que ele não daria a mesma sorte dos caras do Sepultura, mas ele não me ouvia. Continuamos nossa conversa, ele falou que estava quase entregando os pontos e voltando para o Brasil, quando conheceu a Brenda. Menina bonita, bonita mesmo, ele me mostrou uma foto, parecia até uma bonequinha a danada. Ele falou o quanto ela era culta, sabia inclusive coisas de nosso país que ele mesmo não sabia. Ela deu a maior força pra ele. Descolou um bar onde ele podia tocar música brasileira. Com o tempo eles começaram a namorar, Lúcio era bom na arte da sedução, quando éramos adolescente eu sempre perdia as melhores garotas para ele. Ele disse que estava numa boa, e que planejava inclusive ter um filho com ela. E é justamente aqui que a história fica esquisita.
Ele contou que tudo ia a mil maravilhas, até que um dia, quando voltavam do cinema, foram surpreendidos por um tiroteio na rua. Uma das balas acertou o peito dela, pra ser mais exato o coração. Brenda morreu nos braços de Lúcio. Se tivesse sido comigo ou com você, certamente enlouqueceríamos. Sinceramente nem sei qual seria minha reação diante de tal covardia. Mas com ele não foi assim. O maluco virou pra mim com aqueles olhões verdes e falou o seguinte: – Cara, pela primeira vez eu pude ver, sua beleza real. – Olhei para ele com cara de quem não estava entendo, porque eu realmente não tinha entendido nada daquele comentário. Ele prosseguiu: – Logo assim que o último suspiro foi dado, levando consigo qualquer resquício de vida, o rosto de minha amada tomou um outro formato, só existente no rosto de uma criança recém nascida: a forma da inocência, da bondade… uma lágrima rolou do olho esquerdo de Brenda quando ela estava morta em meus braços, percebi que não era uma lágrima de dor, nem de tristeza. Era uma lágrima de alegria; alegria por ter passado para um plano superior. Naquele momento, eu compreendi que a morte não é esse monstro que todos temem, não. A morte é uma coisa linda, ela vem nos livrar da dor que o mundo nos impõe.
Olhei para o relógio e vi que o tempo estava avançando. Ainda bem, porque aquele papo não estava nem um pouco agradável. Tentei despistar Lúcio dizendo que tinha que trabalhar, e tinha mesmo, mas ele insistia em ir comigo, falava que queria recuperar o tempo perdido de nossas conversas. Aceitei, desde que ele não tocasse mais naquele assunto, na verdade eu também queria que ele visse a verdadeira face da morte. Falo daquela em que o tiro pega na cara deformando totalmente a figura humana, talvez assim ele tirasse aquelas idéias babacas da cabeça.
Até que Lúcio se comportou bem na cena do crime, não fez nenhum comentário, apenas olhava cuidadosamente cada vítima. A ~treta~ do velho tinha feito uma ~porcaria~ danada. Matou a família com tiros de uma escopeta calibre doze. Pior que tinha uma criança no meio, como pode um desgraçado desses fazer isso com uma criança? E o cachorro, lembram que eu falei do cachorro, pois é, ele arrancou a cabeça do animal com um tiro. Bati as fotos o mais rápido possível, queria sair logo daquele inferno, jurei que pediria demissão tão logo acabasse as prestações do carro. Como estava fazendo um calor danado e Lúcio havia se comportado bem, resolvi convidá-lo para mais tarde beber uma coisa numa boate que havia inaugurado há pouco. Ele topou, fui pra casa e caí na cama, sono pesado, pesado e acompanhado de pesadelo. Foi terrível, acordei com o toque do interfone, era Lúcio, dormi mais que o normal. Porque a gente não acorda rápido quando tem pesadelos, como acontece nos sonhos bons. Troquei-me rapidamente, e partimos para a boate. Lúcio ficou em silêncio durante o percurso, me incomoda muito ter uma pessoa em total silêncio ao meu lado, mas me incomoda ainda mais ter alguém falando ~porcaria~ no meu ouvido, sendo assim aquele silêncio me soava mais agradável que um samba do Cartola.
Chegamos na tal boate, lembro-me que era um espaço maneiríssimo, havia três telões, enquanto um passava cenas de filmes nacionais, outro passava desenhos dos mais variados e o outro passava paisagens urbanas e rurais das cidades brasileiras. Atrás do bar, tinha uma pintura, do que parecia ser uma sabiá expressionista. E a música era aquela MPB com batida eletrônica, sabe como é, né? Pedi para Lúcio me esperar enquanto eu comprava uma cerveja. No caminho até o bar, encontrei um amigo de faculdade, ficamos trocando idéia até eu me dar conta que já tinha passado meia hora e eu tinha me esquecido completamente de Lúcio. Corri, peguei as cervejas certo que ganharia aquele esporro e pior que ele estaria com toda razão. Quando me aproximei do local percebi que ele conversava com uma mulher, naquele momento, me senti aliviado com a presença dela. Cheguei envergonhado me desculpando e explicando o motivo do atraso. Lúcio não se importou, pelo contrário, me abraçou sorrindo e apresentou-me à mulher como seu melhor amigo. Ela sorriu e apertou minha mão. Sua mão estava gelada, o que me lembrou Helen, uma menina que havia estudado comigo na oitava série, que devido àquele toque frio sempre fugia das provas alegando que estava passando mal. Ele não me falou o nome dela, isso porque naquele momento nem mesmo ele sabia. Ela era linda, bem mais bonita que a Brenda. Tinha a pele bem clara, o cabelo era um loiro super loiro, difícil até de explicar, os olhos lindos, que lembravam o alto mar, seu corpo era esguio, como o de uma modelo, não era aquele tipo gostosona bundão, peitão, mas era perfeita; digo isso em todos os sentidos, porque fomos para uma parte reservada onde podíamos conversar e ela mostrou uma cultura enorme, que ia da história antiga até a atualidade, conhecia cada detalhe de qualquer país, de qualquer povo. Todas tragédias com seus motivos, enfim, ela era demais. Na hora eu tinha a total certeza de conhecê-la de algum lugar, imaginei que fosse devido à agradável conversa que estávamos tendo. Resolvi me mandar e deixar Lúcio com ela, afinal ele estava mesmo precisando conhecer pessoas do sexo oposto.
Fui pra casa e desabei novamente, mais sono pesado, acompanhado de mais pesadelo e sendo mais uma vez acordado, agora pelo toque do telefone. Atendi, era do jornal, queriam que eu fosse fotografar um acidente com vítimas. Xinguei, xinguei, porém acabei indo, afinal era o meu trabalho. Cheguei no local do acidente, dois carros haviam colidido de frente, um deles era um taxi e a cena que vi deixou minhas pernas tremendo, fazendo o ar sumir dos pulmões. Uma das vítimas era justamente o meu amigo Lúcio. Não queria acreditar naquilo, horas antes eu estava com ele, agora o meu amigo estava ali morto em frente aos meus olhos. Não sei se vocês já passaram por isso, mas a sensação de perder alguém querido assim, dessa maneira, é a pior do mundo. Percebi que mesmo depois de ter tirado todas aquelas fotos de cadáveres eu não conseguia me adaptar à morte, mais que isso eu detestava a idéia de morrer um dia. Fiz com muito esforço o meu trabalho e fui embora correndo para casa.
Chorei muito, Lúcio parecia ter encontrado a felicidade novamente, não merecia morrer. Fui para meu laboratório revelar as fotos, estava muito abalado com todo o ocorrido. Foi justamente quando a última foto começou a tomar forma que eu vi a imagem mais macabra da minha vida. Lúcio havia sido arremessado, como eu não tive condições de bater a foto de perto, eu tomei um pouco de distância, devido a isso na foto apareciam os populares além do corpo de Lúcio. E entre as pessoas estavam eles, Lúcio e a mulher da boate, abraçados, sorrindo e acenando para mim. Senti minhas pernas tremerem novamente, meu coração bateu aceleradamente, corri para a sala e virei um copo de uísque.
De repente algo me veio a cabeça. Corri e peguei todas as fotos que eu havia batido durante essa minha infeliz carreira. Não podia ser verdade, ela estava em todas. Tudo ficou claro naquele momento. Eu entendi porque eu tinha a sensação de conhecê-la, pior entendi porque suas mãos eram frias. Aquela mulher que eu conhecera era ninguém mais, ninguém menos que a morte. Aquela obsessão de Lúcio na verdade não era uma obsessão, ele havia se apaixonado pela morte, essa entidade maldita, ele foi o que ela sempre procurou, um companheiro que a amasse profundamente. Queimei todas as fotos, não queria ver aquelas imagens nunca mais.
Agora eles estão juntos, enquanto eu estou nessa clínica psiquiátrica, meus familiares me internaram pensando que estivesse louco, afinal, queimei as provas. E assim eu encerro essa história, meus amigos. Esperando e temendo o dia em que ela virá me buscar junto do meu finado amigo.
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