quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Conto - PENPAL 2: Balloons

Leia as outras partes: Footsteps (Parte 1)Boxes (Parte 3)Maps (Parte 4)Screens (Parte 5) e Friends (Parte 6)

Após conversar com minha mãe sobre o que aconteceu comigo quando eu era criança, me lembrei de algo que com certeza é relacionado com isso. Vai responder algumas perguntas sobre essa história, mas levantou outras perguntas que ainda estou tentando entender. Também me sugere que muito do que me contaram sobre quando eu era criança era mentira.

Alguns dias atrás, postei uma história chamada "Footsteps" aqui, no /nosleep. Me mandaram várias perguntas que me deixaram curioso sobre certos detalhes da minha infância, então conversei com minha mãe. Cansada das minhas perguntas, ela disse "por que você não fala pra eles sobre os malditos balões, já que estão tão interessados assim?" Assim que ela disse isso, me lembrei de muitas coisas sobre minha infância que eu havia esquecido. Essa história vai contextualizar bastante a história anterior, que eu acho que você deveria ler primeiro. Apesar da ordem das histórias não ser algo vital, ler a Footsteps primeiro vai te ajudar a se colocar no meu lugar. Se tiver qualquer pergunta, pode fazer, vou fazer o possível para respondê-la. Além disso, ambas as histórias são longas. Não quero deixar nenhum detalhe importante passar.

Quando eu tinha 5 anos fui para um colégio que, pelo o que eu entendo, era bem determinado quanto à aprender fazendo atividades. Era parte de um programa novo, feito para as crianças aprenderem a seu próprio ritmo. Para facilitar isso, a escola encorajava os professores a darem lições realmente criativas. Para cada professor foi dada a liberdade de criar seu próprio tema, que durariam durante todo o ano, e todas as lições de matemática, leitura, etc deveriam ser feitas baseadas nesse tema. Esses temas eram chamados de "Grupos"
Tinha o grupo "Espaço", o "Mar", a "Terra" e o grupo em que eu estava, "Comunidade".


No jardim de infância nesse país você não aprende muita coisa além de aprender a dividir suas coisas, e amarrar seu sapato, então não há como lembrar direito disso. Eu só me lembro de duas coisas claramente: Eu era o melhor da sala em escrever meu nome, e o Projeto Balão, que foi realmente a marca do grupo Comunidade. Ele ensinava de um jeito bem simples como uma comunidade funcionava.

Você já deve ter ouvido falar dessa adividade. Em uma sexta (eu me lembro que era sexta porque eu estava ansioso tanto pelo projeto quando pelo fim de semana) no começo do ano, entramos na nossa sala de manhã e havia um balão cheio amarrado em cada uma de nossas mesas. Na nossa mesa, havia uma caneta, um papel e um envelope. O projeto era para nós escrevermos um bilhete no papel, colocasse no envelope e amarrasse no balão, onde podíamos desenhar algo se quiséssemos. A maioria das crianças começou a brigar pelos balões porque queriam cores diferentes, mas eu comecei a escrever meu bilhete que eu passei tanto tempo ansioso sobre o que iria escrever.

Todos os bilhetes seguiam uma estrutura básica, mas nós podíamos usar nossa criatividade além dela. Meu bilhete foi algo desse tipo: Olá! Você encontrou meu balão! Meu nome é [Nome] e eu estudo no colégio _________. Você pode ficar com o balão, mas eu espero que me escreva de volta! Eu gosto do Mighty Max, gosto de explorar, construir fortes, nadar e de amigos. Do que você gosta? Me escreva de volta logo. Aqui está um dólar para o correio!" No dólar, escrevi "PARA SELOS", algo que minha mãe achou desnecessário, mas eu achei genial.

A professora tirou uma foto de Polaroid de cada um de nós com nossos balões, e colocamos no envelope junto com a carta. No envelope também continha outra carta, eu acho que explicava a ideia do projeto e que agradeceria a participação dos outros, escrevendo de volta e mandando fotos de suas cidades ou bairros. Essa era a ideia - construir um senso de comunidade sem precisar sair da escola, e estabelecer um contato seguro com outras pessoas; parecia uma ideia divertida...

Nas próximas semanas, as cartas começaram a aparecer. Na maioria, vinha uma foto de algum ponto de referência do lugar, e a professora pregava cada uma em um mapa enorme na parede, nos mostrando de onde veio a carta, e o quanto o balão viajou. Foi uma ideia muito inteligente, pois nós realmente queríamos ir para a escola, para saber se tínhamos recebido nossa carta. Durante o ano, tínhamos um dia por semana onde podíamos escrever para nossos correspondentes, ou para os correspondentes de outro aluno caso nossa carta ainda não tivesse chegado. A minha foi uma das últimas.

Quando entrei na classe e olhei para minha mesa, de novo não tinha nenhuma carta esperando por mim, mas assim que sentei a professora veio e me entregou um envelope. Eu devo ter ficado muito animado, porque quando eu estava para abrir o envelope ela botou a mão em cima da minha, me impedindo, e disse "Por favor, não fique triste." Eu não tinha entendido - por que eu ficaria triste se minha carta veio? No começo eu acreditava que nem os professores sabiam o que tinha na carta quando nós a abríamos, mas pensando bem, é claro que eles precisavam ver o conteúdo, para ter certeza de que não havia nada de obsceno nelas. Mas mesmo assim, como eu poderia me desapontar? Abri o envelope e entendi.

Não tinha nenhuma carta.

A única coisa dentro dela era uma foto de Polaroid, mas eu não  conseguia entender direito o que era. Parecia o pedaço de alguma sobremesa, mas estava borrada demais para decifrar; parecia que a câmera havia se mexido enquanto a foto era tirada.Também não havia nenhum endereço, então eu não poderia escrever de volta. Eu estava arrasado.

O ano lectivo começou a passar, e as cartas começaram a parar de vir para quase todos os estudantes. Afinal, não há como se responder por carta com uma criança do jardim de infância por muito tempo. Todo mundo, até eu, perdeu quase totalmente o interesse pelas cartas.

Então chegou outro envelope para mim.

Minha excitação voltou, e era ótimo o fato de que recebi uma carta quando a maioria dos outros correspondentes havia abandonado os alunos. Até fazia sentido eu receber outra carta - na primeira não havia nada além de uma foto borrada, então provavelmente o correspondente estava tentando se desculpar por isso. Mas novamente, nenhuma carta...só outra foto.

Essa era um pouco mais distinguível, mas eu ainda não consegui entendê-la. A fotografia estava com um ângulo muito pra cima, pegando o canto do topo de algum prédio, e o resto da imagem estava distorcido por causa do sol.

Como os balões não foram muito longe e foram lançados todos no mesmo dia, o mural da sala estava uma bagunça, nós podíamos levar nossas fotos pra casa. Meu melhor amigo, Josh, teve o segundo maior número de fotos da sala no fim do ano - seu correspondente foi bastante cooperativo e mandou várias fotos de seu bairro; Josh levou para casa umas 4 fotos.

Eu levei mais ou menos 50.

Os envelopes eram todos abertos pelos professores, mas depois de um tempo eu nem olhava mais para as fotos. De qualquer forma, eu as guardava em uma gaveta, junto com as minhas coleções de pedras, cards de baseball, cards de quadrinhos (os Marvel Metal, para quem se lembra), e uma pequena miniatura de um capacete de baseball, que eu consegui em uma lojinha depois de um jogo. Quando o ano lectivo acabou, minha atenção foi para outras coisas.

Minha mãe me deu uma pequena máquina de raspadinhas de natal, e Josh também queria uma - tanto que seus pais o compraram uma, bem melhor que a minha, de aniversário. Naquele verão, tivemos a idéia de fazer raspadinhas para ganhar dinheiro; nós pensamos que ficaríamos ricos vendendo cada uma por $1. Josh morava em um bairro diferentes, mas nós decidimos que no meu seria melhor. Nós fizemos isso por 5 semanas, até minha mãe nos mandar parar, e só hoje em dia eu entendi o motivo.

Na quinta semana, Josh e eu estavamos contando nosso dinheiro. Como nós dois tínhamos máquinas, cada um de nós tinha uma pilha diferente de dinheiro, que nós juntamos e dividimos por dois. Nós fizemos um total de 16 dólares, e quando Josh deu na minha mão meu quinto dólar, uma surpresa enorme me consumiu.

No dólar estava escrito "PARA SELOS".

Josh notou meu espanto e me perguntou se havia contado o dinheiro errado. Contei para ele sobre esse dólar, e ele disse "Caramba! Isso é tão legal!" Eu concordei.
A ideia de que o dinheiro voltou para mim após passar por tantas mãos me deixou bem animado. Eu corri para dentro de casa para contar para minha mãe, mas minha ansiedade junto com a distração por ela estar no telefone fez minha história ficar incompreensível. Ela só disse "Ah, que ótimo!".

Frustrado, voltei para fora e falei para Josh que havia algo que ele precisava ver. Voltando para meu quarto, abri a gaveta e tirei os envelopes, mostrando para ele algumas fotos. Eu comecei com a primeira, mas após umas 10 o Josh perdeu o interesse e perguntou se eu queria brincar na "fossa" (uma vala suja em que adorávamos brincar) antes que sua mãe viesse buscá-lo, e foi isso que fomos fazer.

Brincamos de guerra de lama por um tempo, mas sempre éramos interrompidos por um farfalhar na mata em volta da gente. Lá haviam guaxinins e gatos do mato, mas estava fazendo barulho demais e nós imaginamos que fosse algo tentando nos assustar. Meu último palpite era que era uma múmia, mas Josh insistia que era um robô por causa do som. Pouco antes de irmos embora, ele ficou meio sério, me olhou direto nos olhos e disse "Você ouviu, não ouviu? Parecia um robô. Você ouviu também, certo?" Eu havia ouvido, e como era um som realmente mecânico, concordei que era um robô. Só agora eu entendo o que nós ouvimos.

Quando voltamos, a mãe de Josh estava esperando por ele, sentada junto da minha. Josh falou para a mãe dele sobre o robô, nossas mães riram e ele foi para casa. Minha mãe e eu jantamos, e eu fui dormir.

Não fiquei na cama por muito tempo antes de sentir um arrepio e decidir que, por tudo o que aconteceu hoje, eu deveria rever os envelopes, já que agora a coisa parecia muito mais interessante. Peguei o primeiro envelope e coloquei no chão, e a sobremesa borrada da Polaroid em cima. Coloquei o segundo envelope perto do primeiro, e a foto com um ângulo estranho em cima. Fiz isso com todas, formando um quadro de mais ou menos 5X10; Eu sempre fui ensinado a ser cuidadoso com o que eu coletava, mesmo se não tivesse certeza de que era algo valioso.

Notei que as fotos gradualmente iam se tornando mais decifráveis. Havia uma árvore com um pássaro, uma placa de trânsito, um grupo de pessoas entrando dentro de algum prédio. Então eu vi uma coisa que me abalou tão profundamente que consigo agora, enquanto escrevo essa história para vocês, me lembrar perfeitamente de me sentir tonto e capaz de pensar em apenas uma coisa:

"Por que eu estou nessa foto?"

Na foto do grupo de pessoas entrando no prédio, eu vi eu e minha mãe de mãos dadas, no meio no grupo de pessoas. Estávamos bem no canto da foto, mas com certeza era a gente. Enquanto meus olhos navegavam pelo mar de fotos Polaroid, minha ansiedade aumentava cada vez mais - não era medo, era aquele sentimento de quando você está com algum problema. Eu não tenho certeza de porque estava com esse pensamento, mas continuei pensando que com certeza eu havia feito algo de errado. E o sentimento só piorou quando eu olhei para o resto das fotos após aquela me abalar daquele jeito.

Eu estava em TODAS as fotos.

Nenhuma delas era um close meu. Nenhuma delas era só sobre mim. Mas eu estava em cada uma delas - fora de foco, no fundo, no canto. Em algumas só havia uma pequena partedo meu rosto em algum canto, mas eu estava lá. Eu estava sempre lá.

Eu não sabia o que fazer. Sua mente funciona de um jeito engraçado quando você é uma criança, uma grande parte de mim estava com medo de me encrencar só por estar acordado ainda. Como eu já estava com medo de ter feito algo errado, decidi esperar até o dia seguinte.

No dia seguinte, minha mãe estava de folga e passou a maior parte do dia limpando a casa. Eu vi alguns desenhos, eu acho, e esperei pelo momento certo de mostrá-la as fotos. Quando ela saiu para ver o correio, peguei algumas fotos e coloquei na mesa, esperando por ela sentado. Quando voltou, ela já havia aberto as correspondências e estava jogando algumas propagandas fora, quando eu disse,

"Mãe, pode vir aqui um pouco? Essas fotos..."

"Só me dá um minuto, amor. Eu preciso marcar isso aqui no calendário."

Depois de um minuto ou dois, ela veio e parou atrás de mim, perguntando o que eu queria. Eu conseguia ouví-la mexendo nas correspondências atrás de mim, mas eu apenas olhei para as Polaroid e falei para ela sobre elas. Enquanto eu explicava e apontava para as fotos, os frequentes "a-hans", "tá bons" e "oks" foram diminuindo, quando de repente ficou completamente quieta. O próximo som que ouvi foi como se ela estivesse tentando respirar em uma sala sem ar nenhum. No último engasgo, ela deixou as correspondências na mesa e correu para a cozinha, pegar o telefone.

"MÃE! Me desculpe, eu não sabia! Mãe, não fica brava, por favor!"

Com o telefone na orelha, ela estava andando/correndo em círculos, e gritando com ele. Eu nervosamente comecei a mexer na correspondência na mesa. O envelope de cima tinha algo saindo dele que eu, já sem pensar em nada e extremamente ansioso, puxei até sair.

Era outra Polaroid.

Confuso, pensei que de algum jeito alguma de minhas fotos tinha se misturado na pilha quando ela jogou a correspondência na mesa, mas eu percebi que nunca havia visto essa antes. Para meu desespero, era uma foto minha, mas essa era muito mais deperto. Eu estava cercado por árvores, e estava sorrindo. Não era só eu. Josh estava lá também. A foto foi de ontem.

Eu comecei a chamar minha mãe gritando, que continuava berrando no telefone. Eu repeti o grito até ela finalmente responder "O que!?" e eu só conseguia pensar em perguntar

"Para quem você está ligando?"

"Estou falando com a polícia, filho."

"Mas por que? Me desculpe, eu não queria fazer nada..."

Ela me respondeu com uma reação que eu só fui entender agora, que estou revendo os eventos dos primeiros anos da minha vida. Ela agarrou o envelope na mesa e a foto minha e do Josh caiu e deslizou, parando junto das outras na minha frente. Ela segurava o envelope na altura dos meus olhos, mas eu só conseguia ver toda a cor de seu rosto desaparecer. Com lágrimas rolando pelo seu rosto ela disse que precisou chamar a polícia, porque as cartas não tinham selo.

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